
No coração da Zona Queta, junto ao condomínio Glakeni no Zango 0, floresce um esquema que há muito tempo desafia a legalidade e o interesse público: a distribuição privada de electricidade por intermédio de PT’s (Postos de Transformação), numa operação paralela que, apesar de ilegal, continua a crescer com a aparente conivência das autoridades e o silêncio comprometedor da ENDE.
Durante anos, a legislação angolana foi clara: apenas o Estado ou entidades concessionadas podiam explorar a distribuição de energia eléctrica para consumo público. Mesmo com a recente revisão da Lei Geral de Electricidade, que prevê a abertura ao sector privado, o processo ainda aguarda regulamentação. Ainda assim, o negócio dos PT’s privados prospera, à margem da lei, cobrando mensalidades elevadas e acumulando dívidas colossais com a própria ENDE — a empresa pública que, ironicamente, parece fechar os olhos ao fenómeno.
Na Zona Queta, onde nunca chegou electricidade da rede pública, o vácuo deixado pela ausência do Estado foi rapidamente preenchido por operadores privados como a empresa Manbeto, Lda. O seu gerente, João Cabingano, afirma servir cerca de 198 residências, com potencial para atingir 300. Cada morador paga 7 mil kwanzas por mês, além de um contrato inicial de 120 mil kwanzas. Contas feitas, a facturação anual pode ultrapassar os 25 milhões de kwanzas — um negócio altamente lucrativo, quando comparado com os custos mensais pagos à ENDE, que variam entre 550 mil e 650 mil kwanzas.
A discrepância entre o que se fatura e o que se paga levanta sérias dúvidas sobre a transparência e fiscalização deste sistema. Ainda mais chocante é o facto de que a rede pública da ENDE passa a poucos metros do bairro, o que sugere que a ausência de ligação formal não se deve a impossibilidades técnicas, mas antes a interesses instalados que lucram com a actual desordem.
O caso da Zona Queta não é isolado. Em diversos bairros de Luanda, sobretudo nas zonas urbanas periféricas, multiplicam-se os relatos de negócios semelhantes, onde os PT’s privados — muitos instalados inicialmente para sustentar actividades comerciais com grande consumo energético — se transformaram em fontes paralelas de distribuição eléctrica, sem regulação, sem controlo e com ganhos milionários.
Apesar de reconhecer a existência do problema, a ENDE limita-se a afirmar que pretende terminar com estes negócios à medida que a sua cobertura for aumentando — sem, no entanto, apresentar qualquer calendário concreto. Enquanto isso, milhões de kwanzas evaporam todos os meses, prejudicando as finanças públicas e perpetuando um sistema que discrimina os cidadãos, alimenta a corrupção e mina a autoridade do Estado.
Com uma empresa em falência técnica há dois anos e sem capacidade para garantir cobertura total, a ausência de acção firme da ENDE acaba por legitimar indirectamente um modelo de negócio que, embora nascido da necessidade, sobrevive hoje à custa da ilegalidade e da conivência institucional.
O dilema da Zona Queta é um retrato maior de Angola: um país onde as lacunas do Estado abrem caminho a negócios paralelos, onde a legalidade é maleável, e onde a energia — bem essencial para o desenvolvimento — se tornou mercadoria nas mãos de poucos.