Passados mais de 21 anos do fim do conflito armado, Angola enfrenta um cenário desolador: milhares de crianças e adolescentes permanecem sem acesso a educação, saúde e alimentação digna. Este quadro é um reflexo direto da negligência do governo, que ignora a Constituição da República de Angola, que assegura assistência médica e social às crianças. A realidade é cruel, com muitas crianças forçadas a viver em situações extremas de miséria, levando ao aumento alarmante da prostituição infantil, especialmente em Luanda.
Nos últimos sete anos, a prostituição infantil tornou-se uma prática crescente nas áreas urbanas, resultado da pobreza extrema que afeta muitas famílias. As crianças, que antes se dedicavam a pedir esmolas, agora se veem obrigadas a vender seus corpos para sobreviver. Essa transformação é um testemunho da desintegração dos valores familiares e da falta de oportunidades de emprego que antes permitiam uma vida mais digna.
“Hoje, as crianças estão sendo expostas a abusos sexuais e situações degradantes, tudo por causa da ineficácia das políticas do Estado,” afirma Mateus Joaquim, educador infantil. Ele destaca que a simples existência de leis não é suficiente; é necessário implementar ações concretas que abordem a crise e ofereçam alternativas reais para essas crianças.
Os relatos coletados mostram que muitas meninas, algumas com apenas 15 anos, enfrentam a realidade de engravidar precocemente e viver com medo constante de violência. “Quando chego em casa, só quero dormir e comer. O resto é trabalho, não paixão,” compartilha Isabel Domingas, de 16 anos, que vive com seu irmão e se vê sem escolha a não ser entrar nessa vida para sustentar sua família.
A tabela de preços da prostituição infantil revela a brutalidade da situação: serviços que variam de 500 a 8.000 kwanzas, dependendo da prática. Muitas dessas crianças reconhecem os riscos envolvidos, mas a necessidade de sobrevivência fala mais alto. Alegria Samara, de 15 anos, explica que seu trabalho é a única maneira de garantir alimentação e material escolar para seus irmãos.
Ouvindo os moradores de Luanda, a indignação é visível. “Elas estão nas ruas, expostas a tudo, apenas para sobreviver,” diz Fernando Ngola, um munícipe preocupado. A falta de políticas públicas efetivas e de apoio às famílias está criando um ciclo vicioso de pobreza e exploração.
O médico Victorino Eduardo ressalta que, para mudar esse quadro, o governo precisa investir em programas sociais e na criação de instituições voltadas para a proteção dos direitos das crianças. O sociólogo Damião Rodrigues complementa que a falta de acompanhamento familiar e as dificuldades econômicas são fatores cruciais que levam essas meninas a se tornarem vítimas de exploração sexual.
Desde o início da pandemia de COVID-19, a situação se agravou ainda mais, com muitas famílias enfrentando dificuldades extremas. A busca por sobrevivência tem levado jovens e adolescentes a se envolverem com a criminalidade e a prostituição.
Diversas tentativas de contato com o Conselho Nacional de Ação Social (CNAS) para discutir políticas públicas efetivas resultaram em silêncio, evidenciando a falta de compromisso com a proteção das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
A sociedade angolana precisa urgentemente discutir e enfrentar essa crise, que não é apenas uma questão de políticas públicas, mas sim uma questão de direitos humanos. As vozes das crianças e adolescentes devem ser ouvidas, e ações concretas devem ser tomadas para assegurar um futuro melhor para as novas gerações.