
O ex-presidente da UNITA, Isaías Samakuva, concedeu uma extensa entrevista ao Novo Jornal, na qual faz duras críticas ao estado actual da democracia angolana, denuncia o fracasso do processo de reconciliação nacional e questiona a exclusão das figuras de Jonas Savimbi e Álvaro Holden Roberto das celebrações dos 50 anos da Independência. A conversa teve lugar no Instituto Superior Politécnico do Bita, em Luanda, onde o político discursou sobre o papel das universidades na reconciliação nacional.
“Olho para o País com tristeza”
Com um olhar crítico e emocionado, Samakuva disse sentir tristeza ao analisar o estado do País 23 anos após o alcance da paz. “Contava que, nesta fase da vida, viveria num País tranquilo, não por mim, mas para os angolanos em geral”, afirmou. Criticou ainda a continuidade de sentimentos revanchistas e a falta de foco num futuro colectivo.
Reconciliação incompleta e condecorações polémicas
Sobre as condecorações atribuídas durante as comemorações dos 50 anos da Independência Nacional, Samakuva foi categórico: “Não faz sentido condecorar uns e excluir figuras incontornáveis como Jonas Savimbi e Holden Roberto.” Considera tal acto um reflexo de que a reconciliação nacional continua “a meio” e defende que estas omissões desvirtuam o espírito de unidade nacional.
Críticas à CIVICOP e ao silêncio sobre o 27 de Maio
Samakuva apontou a CIVICOP – Comissão para a Reconciliação em Memória das Vítimas de Conflitos Políticos – como um organismo que se desviou do seu objectivo original. “Transformou-se numa coisa diferente. Não é possível entender isso”, declarou.
Em tom mais contundente, afirmou que o MPLA “não teria coragem de falar sobre o 27 de Maio”, referindo-se ao massacre de 1977, e sublinhou que “não foram só os da UNITA que mataram”. Para Samakuva, o reconhecimento mútuo dos erros cometidos por todos os actores políticos do passado é condição essencial para uma reconciliação genuína.
Democracia “a meio” e promessas não cumpridas
O antigo líder da UNITA também criticou o estado da democracia em Angola, apontando que “a Constituição é boa, mas não se cumpre”. Acusou o poder político de colocar interesses partidários acima dos interesses colectivos e descreveu as práticas institucionais como “vinjembe” – palavra em umbundu usada para designar algo sem seriedade.
Agricultura, pobreza e prioridades invertidas
Apontando contradições entre as potencialidades agrícolas de Angola e a pobreza extrema da população, Samakuva acusou o Governo de abandonar sectores cruciais como o saneamento e a agricultura, enquanto investe em “satélites para o espaço”. Denunciou ainda que fertilizantes importados com fundos públicos só são entregues a militantes do partido no poder.
Juventude sem oportunidades e recurso a estrangeiros
Questionado sobre o elevado desemprego entre quadros formados, respondeu que o País tem tudo por fazer e capacidade humana para fazê-lo. Criticou a preferência por estrangeiros em detrimento de angolanos qualificados e defendeu uma mudança de mentalidade: “O angolano tem de parar e pensar para onde vamos.”
Mensagem final: coragem e verdade histórica
A concluir, Isaías Samakuva apelou à coragem política para enfrentar a verdade histórica sem subterfúgios. “A história que honra um País é aquela em que os líderes tomam decisões dignificantes”, disse, reiterando que a exclusão de figuras históricas e a falta de diálogo genuíno são entraves sérios ao progresso nacional.
A entrevista revelou um Samakuva reflexivo, firme nas suas posições e decidido a manter viva a memória de um passado que, segundo ele, continua por resolver.