
Após anos de silêncio tenso, a mulher mais poderosa de Angola nas últimas décadas está prestes a enfrentar o momento decisivo da sua história pública. Isabel dos Santos, herdeira política e empresarial do antigo regime, poderá finalmente ser julgada — mas o que estará realmente em causa: justiça ou um duelo pelo poder futuro?
Seis anos depois do arresto das suas contas bancárias em Angola, a empresária Isabel dos Santos vê o seu processo judicial avançar para uma nova fase. A Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana acusa-a de onze crimes, todos ligados à sua passagem pela liderança da Sonangol entre 2016 e 2017, altura em que foi nomeada pelo seu pai, o então Presidente José Eduardo dos Santos. Esta quinta-feira, 22 de Maio, realiza-se a instrução contraditória, uma etapa processual pedida pela defesa que poderá confirmar ou travar o seu envio a julgamento.
A sua ausência do país desde 2020, somada ao mandado de captura internacional emitido pela Interpol em 2022, adensa o mistério em torno do que acontecerá a seguir. A empresária vive actualmente no Dubai e é pouco provável que regresse a Angola para enfrentar presencialmente o tribunal.
Nos bastidores, no entanto, há mais do que um processo jurídico em andamento. A eventual ida de Isabel dos Santos a julgamento é vista por muitos como o último capítulo de uma série de rupturas com a era de José Eduardo dos Santos. Antes dela, nomes como Carlos São Vicente — condenado a nove anos de prisão em 2022 por desviar 900 milhões de dólares — e os generais Kopelipa e Dino já foram alvo de processos mediáticos, todos associados ao mesmo período de governação.
Mas Isabel é um caso à parte. É mulher, é mediática, e é também, ao que tudo indica, a mais desafiante para o actual poder político. Apesar de nunca ter confirmado oficialmente uma ambição presidencial, a empresária tem-se mantido vocal nas redes sociais, criticando o Presidente João Lourenço e posicionando-se como voz alternativa, sobretudo junto à diáspora angolana.
Fontes próximas do processo admitem que o julgamento poderá lançar luz sobre essa possível ambição política. As eleições presidenciais de 2027 aproximam-se, e não são poucos os que consideram que Isabel dos Santos poderá estar a preparar-se para disputar protagonismo político, mesmo a partir do exílio.
A sua defesa, liderada pelo advogado Sérgio Raimundo, insiste na fragilidade das provas e na instrumentalização política do processo. O Ministério Público, por sua vez, parece determinado em fazer deste julgamento um exemplo de combate à corrupção.
Entre os crimes que lhe são imputados estão peculato, burla qualificada, branqueamento de capitais, abuso de poder, associação criminosa, fraude fiscal e outros. A acusação é extensa e complexa — tal como o percurso da própria Isabel dos Santos, cuja ascensão ao topo do mundo empresarial angolano foi tão rápida quanto polémica.
Com a instrução marcada, Angola prepara-se para mais um julgamento simbólico de uma era que ainda está longe de ser encerrada. Justiça ou purga política? Nos próximos meses, o país poderá encontrar uma resposta — ou talvez apenas novas perguntas.