
Num momento em que se assinalam 50 anos das independências das antigas colónias portuguesas, a ausência de uma das vozes mais influentes da luta anticolonial angolana nos manuais escolares e nos discursos oficiais gera desconforto. Mário Pinto de Andrade, fundador do MPLA e figura central do pensamento pan-africanista, continua a ser ignorado no país pelo qual lutou. A denúncia parte da própria filha, Henda Ducados, que fala de uma “memória amputada” e de uma História contada pela metade.
Durante uma conversa com a Agência Lusa, à margem do evento “A Revolução é um Acto de Poesia”, realizado no Museu do Aljube, em Lisboa, Henda Ducados lamentou a forma como o nome e as ideias do seu pai foram sendo apagados da construção narrativa da independência de Angola. “O seu contributo é pouco abordado. Apesar de ser reconhecido como o primeiro presidente do MPLA, a verdade é que o seu pensamento continua ausente dos currículos e da memória colectiva”, afirmou.
A filha do intelectual destaca ainda que existe uma clara necessidade de corrigir esse vazio. “Sinto que há algo por reparar. É uma lacuna na nossa História que precisa ser preenchida”, disse.
Com esse objectivo, Henda e a sua irmã, Annouchka de Andrade, criaram em 2020 a “Associação dos Amigos da Sarah e do Mário”, que tem vindo a desenvolver iniciativas para divulgar o legado do pai. Entre elas estão a reedição de obras inéditas e a publicação de novos materiais que resgatam o percurso político e intelectual de Mário Pinto de Andrade, com destaque para um livro que será lançado este ano, focado na sua acção na região leste de Angola.
Para além de recuperar o passado, Henda sublinha a urgência de olhar para o presente: “Angola continua a precisar de uma transformação estrutural, sobretudo no sector da educação. É preciso tornar o país num bom lugar para se viver, como ele sonhava”.
A invisibilidade da figura de Pinto de Andrade foi também criticada por Elias Joaquim, membro da organização BISO, uma plataforma educativa e cultural com raízes em Angola e em Lisboa. “Ele foi um dos grandes construtores do pensamento pan-africanista. No entanto, a sua importância continua a ser desvalorizada no país. Isso diz muito sobre o que escolhemos lembrar e esquecer.”
Segundo Elias, há uma crise de referências entre os jovens angolanos, que cresceram sem contacto com figuras como Mário Pinto de Andrade. “A nossa geração sente-se órfã. Não temos heróis com os quais nos possamos identificar. É por isso que decidimos recuperar a sua imagem e a sua obra, mesmo que seja a partir da diáspora.”
O evento, inserido nas comemorações do Mês de África, serviu para homenagear os que contribuíram para as lutas de libertação através da cultura, mostrando que a poesia, a memória e a História são ferramentas fundamentais para reabrir feridas mal cicatrizadas e talvez, finalmente, sarar algumas delas.