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Os Estados Unidos anunciaram a suspensão de parte dos financiamentos destinados à África do Sul, em um movimento que reacende as tensões entre os dois países. Embora Washington afirme que a decisão não está relacionada às divergências políticas e diplomáticas, analistas apontam que a posição de Pretória em relação à Rússia, China e ao conflito em Gaza pode ter influenciado essa medida.
A decisão de cortar o financiamento ocorre no contexto de mudanças na política externa americana sob a nova administração de Donald Trump, que tem demonstrado menor interesse na cooperação com países africanos. A suspensão da USAID, programa que apoia a área da saúde, levanta preocupações sobre o impacto na luta contra o HIV e outras doenças no continente.
Trump justificou a medida com a alegação de que o governo sul-africano estaria confiscando terras e “tratando muito mal certas classes de pessoas”. A acusação refere-se ao decreto assinado pelo presidente Cyril Ramaphosa, que permite a expropriação de terras sem compensação em determinadas circunstâncias. A política visa corrigir desigualdades históricas na distribuição fundiária, um legado do apartheid.
Ramaphosa reagiu às declarações de Trump, esclarecendo que a lei não prevê confisco de propriedades, mas sim um processo legal para garantir acesso equitativo à terra. “A Lei de Expropriação não é um instrumento de confisco, mas um mecanismo constitucionalmente obrigatório para garantir justiça na distribuição de terras”, afirmou o presidente sul-africano.
A posição dos EUA gerou indignação dentro da África do Sul, inclusive entre opositores de Ramaphosa. John Steenhuisen, líder do maior partido da oposição, também contestou Trump, afirmando que a legislação prevê compensação justa para expropriações legítimas.
Apesar das explicações de Pretória, Trump mantém a postura intransigente e exige uma investigação sobre a política fundiária do país. Para muitos analistas, essa rigidez reflete não apenas questões internas da África do Sul, mas também o descontentamento de Washington com a crescente aproximação do país com a Rússia e a China, seus parceiros no BRICS.
A África do Sul tem adotado uma postura alinhada a Moscou e Pequim, evitando críticas às políticas internas desses países. O silêncio de Pretória sobre a morte do opositor russo Alexei Navalny e sua forte oposição a Israel no Tribunal Internacional de Justiça são exemplos que colocaram o país em rota de colisão com os EUA.
No final de 2023, a África do Sul processou Israel por genocídio em Gaza, uma iniciativa que gerou um grande embaraço diplomático para Washington e Tel Aviv. O governo sul-africano pediu ao tribunal que ordenasse o fim dos ataques e garantisse a entrada de ajuda humanitária no enclave palestino.
Apesar do atual impasse, os dois países terão que manter uma relação de cooperação, já que a África do Sul ocupa agora a presidência do G20, grupo das 20 maiores economias do mundo. A questão que permanece é até que ponto as tensões geopolíticas influenciarão o futuro das relações entre Washington e Pretória.