
A agricultura angolana continua estagnada, e o diagnóstico é claro: as políticas públicas têm sido ineficazes, e o sector permanece longe de alcançar o seu potencial em termos de segurança alimentar, emprego digno e diversificação económica. Esta é a principal conclusão de uma análise conjunta divulgada no final de Abril pelo Observatório Político-Social Angolano (OPSA), a Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) e o Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola.
Apesar dos vários planos traçados, o sector agrícola, que inclui a pecuária e a silvicultura, continua sem dispor das condições mínimas para aumentar a produção interna e a produtividade das explorações. A análise aponta que, para além das falhas estruturais, persistem entraves graves como a corrupção, a burocracia excessiva e a centralização da tomada de decisões. “É sobretudo a insistência em estabelecer prioridades erradas que tem travado o progresso do sector”, alertam os autores, no âmbito de uma avaliação ao impacto local do Programa Integrado de Desenvolvimento Agrícola em África (PIDAA).
As três organizações defendem uma abordagem diferente: mais inclusiva, mais humana e adaptada à realidade angolana. Entre as recomendações, destacam-se o investimento em formação e capacitação — com enfoque especial em mulheres e jovens —, a promoção de tecnologias simples e acessíveis, e a valorização de práticas agroecológicas associadas ao conhecimento local.
A mecanização agrícola, por exemplo, deve ser pensada de forma sustentável e realista. “A massificação da tractorização não é viável no curto prazo. Precisamos de soluções tecnológicas de baixo custo que aumentem a produtividade e controlem o uso racional de recursos”, sublinham.
O documento desencoraja ainda programas complexos e dispendiosos como o Planagrão e o Planapecuária, considerando que estas iniciativas, sem o suporte técnico, logístico e orçamental necessário, acabam por não produzir os efeitos esperados.
Outro ponto crítico abordado é a recente aprovação de legislação que abre caminho à utilização de sementes transgénicas. OPSA, ADRA e CEIC mostram-se preocupados com a possível contaminação das variedades tradicionais, essenciais para a agricultura familiar, e exigem maior cautela e regulamentação.
A questão fundiária também permanece sensível. As organizações pedem medidas concretas para aplicar, de forma efectiva, a Lei de Terras e o Código do Imposto Predial, visando proteger os pequenos produtores e fomentar uma distribuição mais justa e sustentável da terra agrícola.
Em termos de desempenho, os dados revelam uma realidade pouco animadora: após uma retracção de 2% em 2018, o sector teve uma recuperação moderada até 2021, mas voltou a desacelerar nos anos seguintes, com crescimentos de apenas 3,8% e 2,7%. A agricultura familiar, embora responsável por mais de 80% dos alimentos produzidos no país, só assegura auto-suficiência em três produtos: mandioca, batata-doce e banana.
Entre 2020 e 2024, Angola gastou quase 12 mil milhões de dólares em importações de produtos alimentares e agrícolas. E apesar do discurso oficial que coloca a agricultura como uma prioridade nacional, o investimento público real no sector raramente ultrapassou 2% do Orçamento Geral do Estado — um contraste gritante com as necessidades do campo.
Se Angola deseja inverter este cenário e transformar a agricultura num verdadeiro motor de desenvolvimento, o desafio está lançado: menos propaganda, mais acção concreta, inclusiva e sustentável.