Em 2017, João Lourenço chegou à Presidência da República de Angola com promessas de esperança e transformação. No entanto, desde o início, havia um grande obstáculo: José Eduardo dos Santos, então presidente do MPLA, mantinha um controle significativo sobre o partido e, consequentemente, sobre o poder no país. Esse contexto deu origem ao termo “bicefalia”, que marcou a disputa de liderança entre Lourenço e dos Santos.
Lourenço empreendeu uma ampla mobilização para desmantelar o controle de José Eduardo dos Santos. As ruas foram palco de clamores em apoio à concentração de poder em um único homem: o novo presidente. A sociedade civil, acreditando ingenuamente estar apoiando uma causa democrática, engrossou o coro. Eventualmente, José Eduardo dos Santos cedeu, permitindo que João Lourenço acumulasse as funções de Presidente da República e líder do MPLA.
O que parecia ser o início de uma nova era rapidamente revelou-se um retrocesso. Em menos de um ano, João Lourenço, que prometera combater a corrupção e revitalizar as instituições, transformou-se em um líder autoritário. Com o poder absoluto em mãos, o país assistiu ao desmantelamento de direitos e liberdades. Televisões foram fechadas, jornais e plataformas digitais foram silenciados. A crítica ao regime tornou-se um risco. Quando a UNITA elegeu Adalberto Costa Júnior como líder, João Lourenço voltou sua atenção para a oposição, perseguindo-a implacavelmente.
Tribunais, serviços de inteligência e meios de comunicação tornaram-se ferramentas de perseguição política, numa tentativa desesperada de sufocar qualquer alternativa democrática. Contudo, o tempo é implacável, e hoje o fantasma da bicefalia volta a assombrar João Lourenço.
A Constituição da República de Angola é clara: ele não poderá concorrer a um terceiro mandato presidencial. Os próprios estatutos do MPLA não permitem que ele se perpetue no poder. No entanto, o que antes foi um erro de José Eduardo dos Santos agora parece ser o plano de João Lourenço. Movimentos para alterar os estatutos do partido já começam a tomar forma, numa tentativa de prolongar o seu domínio.
Os históricos do MPLA, outrora vozes influentes, agora se mantêm calados. O medo de represálias os prende em seus “cantinhos”, enquanto João Lourenço governa como um monarca absoluto. Ironia ou tragédia, o homem que liderou uma cruzada contra a bicefalia agora parece disposto a criar um novo capítulo sombrio na história do país.
A lição que fica é amarga: quando as estruturas de poder são personalizadas, o autoritarismo torna-se inevitável. Angola, mais uma vez, encontra-se em um cruzamento decisivo, onde o futuro do país depende de escolhas que poderão determinar se a democracia será fortalecida ou reduzida a um sonho inalcançável.