
Pequim rompeu o silêncio sobre o julgamento que envolve os generais Kopelipa e Dino e o China International Fund e avisa que há risco de uma “crise diplomática”. Ou seja, reconhece o seu impacto sobre o cálculo da dívida de Angola à China.
O adiamento por tempo indeterminado do julgamento dos generais Manuel Hélder Vieira Dias (Kopelipa) e Leopoldino Fragoso do Nascimento (Dino), onde outro dos arguidos é o China International Fund (CIF) Angola, é revelador do sobressalto diplomático que actualmente envolve as relações entre Luanda e Pequim.
Os dois generais são acusados de tráfico de influências, branqueamento de capitais, falsificação de documento, associação criminosa e abuso de poder, sendo que uma eventual condenação pode colocar em causa o efetivo montante da dívida de Angola à China.
A 31 de Março deste ano, o Tribunal Supremo tinha adiado por sete dias o julgamento devido à ausência de qualquer mandatário do CIF na sala de audiências, tendo a juíza, Anabela Valente, dado sete dias para que tal acontecesse, avisando que, em alternativa, iria indicar um defensor oficioso. Este último cenário não se concretizou e a 14 de Abril o julgamento foi adiado “sine die”.
O mal-estar da China, traduzido numa deterioração das relações bilaterais que culminou com a decisão de João Lourenço de cancelar a sua presença, em Setembro de 2024, no Fórum para a Cooperação China-África (FOCAC) realizado em Pequim, tinha sido até agora silencioso.
Esta condição alterou-se com declarações públicas de um responsável do governo chinês a quatro jornais angolanos, publicadas a 17 de Abril.
O director para África do Ministério das Relações Exteriores da China, Yu Yong, citado pelo jornal Valor Económico, alertou para o risco de a sentença deste julgamento poder ser “influenciada” por interesses externos. Nesta medida, Yu Yong apela para a “racionalidade e objectividade” no julgamento do empresário chinês Yiu Haiming, que dá a cara pelo CIF, acrescentando que o seu governo acompanha o julgamento com alguma expectativa, “devido a possível interferência” de outros países. Yu Yong, ainda segundo o Valor Económico, admite uma “crise diplomática”, em caso de um “julgamento viciado” do empresário chinês.
Para o diplomata, a conduta das empresas e cidadãos chineses deve ser avaliada tal como é avaliada a dos angolanos. “Não são superiores, nem inferiores, não podem ser privilegiados nem mais prejudicados”, avisou.
A eventual condenação dos generais Kopelipa e Dino e também do CIF será uma arma fundamental para o Governo angolano voltar à carga junto da China com o objectivo de discutir a questão do efectivo montante da dívida, tal como o *Negócios* avançou no início deste mês.
Caso seja dado como provado que os dois generais se apropriaram indevidamente de empréstimos concedidos por instituições chinesas que tinham como destino o Estado ou empresas públicas, isso significará que se abre a porta para invocar o argumento de que Angola não poderá ser responsabilizada pelos encargos de dívida que resultaram dos mesmos.
Kopelipa e Dino, os dois principais homens de mão do ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos (1942-2022), o qual cedeu o poder a João Lourenço em 2017, transformaram-se agora em meios para atingir um fim mais abrangente, o de provar que o Estado angolano não pode ser responsabilizado pelo pagamento de uma dívida referente a valores que nunca chegaram aos cofres públicos.
Este poderia ser apenas um debate teórico, mas as declarações proferidas pelo diretor para África do Ministério das Relações Exteriores da China mostram que é muito mais do que isso.
Ou seja, Pequim vê esta hipótese como uma ameaça real e, furando a regra de ouro do silêncio mediático que usa recorrentemente, sentiu agora a necessidade de recorrer à comunicação social para advertir o governo angolano de que o cenário de uma “crise diplomática” é real.
A dívida de Angola à China situa-se nos 13,45 mil milhões de euros e os planos do governo liderado por João Lourenço passam por a sanear totalmente até 2028. O serviço da dívida para 2025 que Luanda terá de satisfazer junto de Pequim está calculado em 3,6 mil milhões de euros.