
O nome de Manuel Vicente volta a surgir no centro de uma tempestade judicial em Angola. Juristas defendem que o ex-Vice-Presidente da República deve ser formalmente chamado pelo Tribunal Supremo para prestar esclarecimentos no julgamento que envolve os generais Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino” e Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”, acusados de envolvimento num esquema de corrupção que terá causado um prejuízo de mil milhões de dólares ao Estado.
Fernando Kawewe, jurista angolano, considera que os múltiplos testemunhos que associam Manuel Vicente aos factos investigados não podem ser ignorados. “Não se trata apenas de citações casuais. O seu nome surge repetidamente como figura central. Isso, à luz do ordenamento jurídico, justifica que se lhe dirija uma rogatória para vir a tribunal, pelo menos como declarante”, defende o especialista.
A polémica reacendeu-se depois de, na sessão de segunda-feira, 9 de Junho, o general “Dino” ter declarado que actuou em 2016 em nome do Estado, por orientação directa de Manuel Vicente, que então coordenava a Comissão de Relações de Cooperação entre Angola e o consórcio chinês CIF. Segundo o arguido, a missão foi aprovada pessoalmente pelo ex-Presidente José Eduardo dos Santos.
Já o general “Kopelipa” reiterou a mesma versão: foi Manuel Vicente quem apresentou ao antigo Chefe de Estado o projecto de investimentos do grupo CIF, tendo ele próprio colaborado com a justiça, inclusive entregando activos ao Estado angolano.
Para Fernando Kawewe, essas afirmações reforçam a importância de ouvir o antigo Presidente da Sonangol. “Se há repetidas referências ao seu papel como figura-chave, então o seu testemunho é imprescindível para que este processo tenha a transparência e equidade necessárias”, sublinhou.
Do lado internacional, o jurista português Rui Verde mostra-se mais céptico quanto à celeridade e integridade do processo. “Duvido que o julgamento seja, ao mesmo tempo, rápido e justo. Os tribunais ordinários não estão preparados para lidar com casos tão sensíveis e complexos”, alertou. Verde propõe reformas urgentes na magistratura e no próprio código de processo penal, para melhor lidar com casos de corrupção de grande escala.
Entretanto, o Tribunal Supremo iniciou nesta terça-feira a audição de outras figuras envolvidas no caso, entre elas o advogado Fernando Gomes dos Santos e Yiu Haiming, ex-director da empresa China International Fund (CIF). Ambos respondem como arguidos no processo n.º 38/2022.
Um dos pontos mais sensíveis do interrogatório prende-se com o edifício CIF One Luanda, cuja propriedade é disputada pela empresa Drill Company SA, que se apresenta como assistente no julgamento, reclamando a titularidade do terreno onde a construção foi erguida.
Com declarações contraditórias, bens públicos em disputa e figuras de topo do antigo regime envolvidas, o julgamento promete marcar um novo capítulo na luta contra a corrupção em Angola ou revelar as suas limitações.