
Numa audiência que promete reacender velhas feridas e levantar questões sérias sobre o uso do poder e da farda, o antigo comandante da Esquadra da Polícia na Vila do Kiaxi, intendente João Mufuma, começou esta sexta-feira, 11 de Abril, a ser julgado pelo Tribunal Militar, em Luanda. O oficial é acusado de envolvimento em actos de violência e detenções arbitrárias contra camponesas pertencentes à Sociedade Konda Marta, no âmbito de uma disputa por terrenos na zona de Talatona.
Segundo depoimentos colhidos, as acções imputadas ao oficial remontam a episódios de confrontos durante tentativas de retirada forçada de camponeses de áreas agrícolas. As vítimas relatam agressões físicas, intimidações e prisões sem mandato, num cenário que mistura conflito fundiário, alegada conivência institucional e silêncio prolongado.
As mulheres afectadas — muitas com idade avançada — faziam parte da estrutura da Konda Marta, uma sociedade que reivindica a posse legítima dos terrenos situados nas imediações do Estádio 11 de Novembro. O caso envolve ainda nomes sonantes da esfera da segurança pública, como o ex-comandante municipal de Talatona, subcomissário Joaquim “Dadinho” do Rosário, identificado como aliado directo de Mufuma nas acções contestadas.
UMA REDE DE CONFLITOS E INTERESSES
Fontes ligadas ao processo apontam para a existência de uma suposta rede de influências que operava com o objectivo de facilitar o acesso a terrenos através de métodos coercivos. Um dos casos mencionados no processo envolve um agente identificado como Sebastião Fernando Manuel António, que terá apresentado documentos falsos para se passar por herdeiro legítimo da fundadora da Konda Marta, alegadamente para legitimar a ocupação irregular de parcelas.
A situação agravou-se com o falecimento de uma antiga sócia-gerente da sociedade, ocorrido a 3 de Março deste ano. Em nota pública, a direcção da empresa expressou pesar pela perda, mas acusou a falecida de ter sido usada como instrumento por supostos invasores, sugerindo que ela teria sido manipulada por figuras ligadas ao sector castrense para facilitar a alienação dos terrenos em disputa.
ESPERANÇA DE JUSTIÇA NUM CENÁRIO DE REPETIÇÃO
Para a direcção da Konda Marta, o julgamento representa uma oportunidade rara de responsabilização num contexto onde casos semelhantes tendem a cair no esquecimento ou a serem abafados por interesses paralelos. Organizações cívicas e defensoras de direitos humanos sublinham que este caso se insere num padrão preocupante de violência fundiária, particularmente na periferia de Luanda, onde o crescimento urbano convive com comunidades camponesas em situação de vulnerabilidade.
O desfecho do julgamento poderá ter impacto não apenas jurídico, mas também simbólico — sinalizando até que ponto instituições estatais estão dispostas a reconhecer e corrigir abusos cometidos sob o pretexto da ordem pública.