
Num país rico em petróleo e diamantes, ter electricidade ou água potável continua a ser um privilégio para poucos. Em 2023, o Governo de Angola anunciou o aumento das tarifas destes serviços essenciais, defendendo a medida como parte de uma estratégia para cortar subsídios e reforçar os investimentos nas infra-estruturas. Mas a realidade quotidiana mostra que, para milhões de angolanos, esta decisão significa apenas mais sacrifícios num cenário já marcado pela pobreza e desigualdade.
Segundo os dados mais recentes, a tarifa da água subiu 20% em Luanda, enquanto a da electricidade registou um aumento médio de 15%. Estes valores são especialmente pesados para famílias que, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), já comprometem até um quarto do seu rendimento mensal apenas com despesas básicas. Com a inflação anual a rondar os 14%, muitos enfrentam agora o dilema entre pagar contas ou garantir comida na mesa.
A disparidade entre zonas urbanas e rurais agrava ainda mais a situação. Em províncias como o Cunene ou o Cuando Cubango, menos de 10% da população tem acesso regular à electricidade. Ao mesmo tempo, mais de metade dos cidadãos continua a viver abaixo da linha da pobreza, conforme o PNUD.
O argumento oficial para os aumentos aponta para a necessidade de modernizar infra-estruturas. De facto, cerca de 40% da água tratada perde-se nas redes devido a fugas ou vandalismo, e o sistema eléctrico depende de fontes vulneráveis, como as barragens hidroeléctricas sujeitas a crises prolongadas em períodos de seca. No entanto, a confiança nas instituições é frágil. Empresas como a ELECTRA acumulam dívidas superiores a dois mil milhões de dólares, e faltam garantias de que os novos recursos serão bem aplicados.
Por outro lado, manter as tarifas congeladas tem custos elevados. O Estado angolano destina anualmente cerca de 1,5% do PIB aos subsídios de água e luz. Com uma dívida pública que ronda os 85% do PIB, esse modelo tornou-se insustentável. Ainda assim, qualquer solução precisa de sensibilidade social: só 35% das famílias urbanas recebiam água canalizada diariamente em 2022.
Especialistas apontam alternativas mais equilibradas, como os modelos de tarifas sociais usados noutros países da região. Nestes sistemas, os primeiros blocos de consumo têm preços reduzidos para famílias de baixo rendimento. Em Angola, porém, a ausência de registos detalhados de rendimentos dificulta a aplicação de subsídios direccionados.
A falta de diálogo público sobre estas decisões também é motivo de crítica. Os aumentos foram implementados sem consultas a representantes comunitários, sindicatos ou organizações da sociedade civil. E nas zonas mais pobres, onde não há rede pública, os cidadãos dependem de poços inseguros ou geradores privados pagando até cinco vezes mais do que os consumidores urbanos ligados ao sistema.
A subida das tarifas, portanto, não é apenas uma questão de preços. Ela revela os limites de um modelo que falha em garantir direitos básicos. Resolver o problema exige mais do que ajustes técnicos: é necessário envolver a população, garantir justiça social e priorizar o investimento onde ele é mais urgente.
Enquanto isso não acontecer, a luz e a água continuarão a ser bens de luxo e não direitos fundamentais para milhões de angolanos.