
Todos os dias, no centro de Luanda, um fenómeno recorrente escapa ao controlo das autoridades: jovens organizados em grupos oferecem-se para agilizar, fora dos trâmites legais, a emissão de documentos oficiais junto da Direcção de Trânsito e Segurança Rodoviária (DTSER). A operação, visível e aparentemente tolerada, inclui a obtenção de cartas de condução sem a devida certificação, mediante o pagamento de avultadas somas, como 200 mil kwanzas por documento.
Estes intermediários, conhecidos popularmente como “mixeiros”, afirmam trabalhar em articulação com elementos internos da DTSER. Segundo relatos recolhidos no local, a colaboração com agentes do próprio serviço facilita o acesso e acelera a emissão de documentos, num processo que dispensa exames, provas de aptidão ou qualquer validação oficial de competências. A entrega do documento ocorre apenas após o pagamento, um sistema informal que aparenta funcionar com eficácia para quem o procura.
A razão por detrás do sucesso desta rede paralela está, em parte, na morosidade e disfuncionalidade do sistema oficial. Os cidadãos que procuram tratar documentos como a carta de condução ou a renovação do verbete de um veículo deparam-se frequentemente com filas longas, avarias nos sistemas informáticos e prazos indefinidos. Muitos, cansados da espera, recorrem aos facilitadores informais como última alternativa.
Joaquim Pedro, motorista com uma década de experiência, descreve a abordagem persistente dos intermediários: “Sempre que chego aqui, sou abordado com propostas de ajuda. Mesmo quando o sistema está em baixo, eles garantem que conseguem emitir o documento. Parece que trabalham noutra realidade”, comentou.
Durante uma observação no local, foi possível identificar interacções discretas entre civis e agentes da Polícia de Trânsito. Ainda que não se tenha confirmado um envolvimento directo, o ambiente alimenta suspeitas e levanta sérias dúvidas quanto à integridade do processo institucional de emissão documental.
A prática, além de ilegal, representa um risco evidente para a segurança nas estradas, pois permite a circulação de condutores sem formação adequada. A ausência de resposta da DTSER, mesmo após tentativas formais de contacto por parte da imprensa, contribui para o clima de impunidade.
Por detrás deste fenómeno está um problema estrutural de fundo: a informalidade e o desemprego em larga escala. Para muitos destes “mixeiros”, a actividade constitui a única fonte de rendimento num país onde, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, mais de metade da população economicamente activa vive sem emprego formal. A combinação de necessidade económica e ineficiência do Estado criou um terreno fértil para o crescimento de esquemas alternativos, que hoje rivalizam com os canais oficiais.
A urgência de uma reforma administrativa e de uma acção eficaz de fiscalização torna-se evidente, não apenas para restaurar a confiança nas instituições, mas também para proteger a vida dos cidadãos nas estradas do país.