
Burkina Faso's new military leader Ibrahim Traore is escorted by soldiers in Ouagadougou, Burkina Faso October 2, 2022. REUTERS/Vincent Bado
Ibrahim Traoré, presidente interino de Burkina Faso, tornou-se uma figura central em meio à instabilidade política do Sahel, especialmente após o golpe de Estado de setembro de 2022. A sua ascensão ao poder, após destituir Paul-Henri Damiba, foi justificada por sua promessa de combater a insurgência jihadista que aflige o país, particularmente em áreas onde grupos extremistas tomaram controle de 40% do território. Contudo, sua governança tem sido marcada por um discurso pan-africanista e um posicionamento anti-imperialista que coloca Burkina Faso em rota de colisão com potências ocidentais e certos líderes africanos. O presidente interino tem enfrentado diversas tentativas de golpe e críticas, refletindo a fragilidade de sua administração, além de divisões internas que ameaçam sua estabilidade política. A análise a seguir explora as motivações por trás das tentativas de golpe em Burkina Faso, as reações dos EUA e líderes africanos, e os desafios políticos enfrentados por Traoré.
TENTATIVAS DE GOLPE E A AMEAÇA INTERNACIONAL
Em 22 de abril de 2025, o governo militar de Burkina Faso anunciou a neutralização de uma conspiração para derrubar Traoré, que estava programada para o dia 16 de abril. A tentativa de golpe, que teria incluído um ataque à presidência, foi alegadamente orquestrada por ex-oficiais militares, com apoio externo da Costa do Marfim, especificamente de figuras como Joanny Compaoré e Abdramane Barry. O Ministro da Segurança de Burkina Faso, Mahamadou Sana, detalhou que a conspiração foi coordenada a partir de Abidjan, o que sugere um cenário de ingerência externa, com a Costa do Marfim sendo acusada de abrigar elementos contrários ao regime de Traoré.
Esta não foi a primeira tentativa de desestabilização do governo de Traoré. Desde sua ascensão ao poder em 2022, pelo menos quatro tentativas de golpe foram relatadas, incluindo uma em setembro de 2023, que levou à prisão de quatro oficiais. Essas tentativas refletem não apenas uma oposição interna, mas também um crescente mal-estar nas forças armadas e nas populações mais afetadas pela violência jihadista que continua a se espalhar pelo país. A retórica oficial de Traoré acusa potências ocidentais, como a França e os EUA, de estarem por trás dessas tentativas de golpe, o que remonta ao legado de Thomas Sankara, líder histórico de Burkina Faso que também foi alvo de uma conspiração com suposto apoio ocidental.
O POSICIONAMENTO DOS EUA: INTERESSES GEOPOLÍTICOS E ECONÔMICOS
O relacionamento entre o governo de Traoré e os Estados Unidos tem se tornado cada vez mais tenso, com Washington criticando publicamente a condução política de Burkina Faso. Em abril de 2025, o General Michael Langley, comandante do AFRICOM (Comando Militar dos EUA para a África), acusou Traoré de desviar receitas provenientes da mineração de ouro para consolidar seu poder, uma acusação que foi prontamente rejeitada pelas autoridades de Burkina Faso e por aliados regionais, como o partido EFF da África do Sul. Essa crítica se insere em um cenário mais amplo de contestação geopolítica no Sahel, onde o governo de Traoré, ao se aproximar de potências como a Rússia e a China, desafia a hegemonia ocidental na região.
A mudança de alianças de Burkina Faso, em particular sua crescente parceria com a Rússia, é vista como uma ameaça aos interesses dos EUA e das potências ocidentais no Sahel, uma região rica em recursos naturais como ouro e níquel. Traoré também tem promovido uma política de nacionalização parcial das minas de ouro, algo que é visto como uma afronta ao modelo de exploração de recursos por empresas ocidentais, o que preocupa as potências externas. Além disso, a formação da Aliança dos Estados do Sahel (AES), composta por Burkina Faso, Mali e Níger, e a retirada desses países da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), que é apoiada por Washington, diminui a influência das organizações regionais alinhadas com o Ocidente.
POSICIONAMENTO DOS LÍDERES AFRICANOS: ALIANÇAS E DIVISÕES
A postura dos líderes africanos em relação a Ibrahim Traoré é complexa e reflete tanto alinhamentos ideológicos quanto interesses nacionais. Traoré encontrou apoio em líderes do Sahel, como Assimi Goïta (Mali) e Abdourahamane Tchiani (Níger), que compartilham sua visão de um continente mais independente, livre da influência ocidental. A AES, que visa equilibrar a influência externa na região, tem sido um pilar para fortalecer as relações entre Burkina Faso, Mali e Níger, com o intuito de criar uma frente unida contra as potências ocidentais.
No entanto, líderes de países mais alinhados com o Ocidente, como Alassane Ouattara da Costa do Marfim, têm uma postura abertamente hostil em relação ao governo de Traoré. A recusa de Ouattara em extraditar opositores de Traoré, que se encontram em território marfinense, exacerbou as tensões bilaterais, com Ouagadougou acusando Abidjan de abrigar conspiradores. Além disso, a crescente condenação das ditaduras militares por líderes da CEDEAO, em parte devido à pressão de potências ocidentais, tem dificultado a legitimação do regime de Traoré nas organizações regionais.
MOTIVAÇÕES PARA A DESTITUIÇÃO DE TRAORÉ
As razões pelas quais Traoré está sob crescente pressão interna e externa para ser destituído são multifacetadas. Primeiramente, sua política de reorientação das alianças externas e o foco na soberania económica de Burkina Faso, particularmente com a nacionalização das minas de ouro, desafia o modelo neocolonial que tem sido predominante na exploração dos recursos africanos. Segundo, a persistente insegurança interna, exacerbada por massacres como o de Barsalogho em 2024, alimenta o descontentamento popular, inclusive dentro das forças armadas. Terceiro, as suas políticas autoritárias, como a extensão do governo militar e a repressão de opositores, atraem críticas de organizações de direitos humanos e da comunidade internacional, que o consideram uma ameaça à democracia.
Além disso, a liderança carismática de Traoré e sua visão pan-africanista, que ecoa os ideais de Thomas Sankara, têm ganhado apoio, especialmente entre a juventude africana e setores da sociedade civil que clamam por maior autonomia e independência do continente. Contudo, este apelo popular pode ser contraposto por sua incapacidade de garantir segurança e estabilidade, o que representa um dilema para os líderes africanos que buscam evitar a instabilidade enquanto mantêm o apoio interno.
CONCLUSÃO
Ibrahim Traoré encontra-se em uma encruzilhada política e estratégica, com desafios internos e externos que podem determinar o futuro do seu regime. As tentativas de golpe, as tensões geopolíticas e as divisões internas dentro das forças armadas de Burkina Faso refletem uma governança fragilizada, que luta para consolidar sua legitimidade e evitar a desestabilização. Embora sua popularidade entre os movimentos anti-imperialistas e sua liderança carismática o fortaleçam em alguns círculos, o caminho à frente parece repleto de obstáculos, e sua permanência no poder dependerá de sua capacidade de unir o país, combater a insegurança e equilibrar as tensões externas.