A Lei da Probidade Pública em Angola impõe que os titulares de cargos políticos, eleitos ou nomeados, magistrados judiciais, do Ministério Público, gestores da administração local do Estado, das Forças Armadas Angolanas e de empresas públicas entreguem uma declaração de bens à Procuradoria Geral da República (PGR) quando assumem suas funções. No entanto, a legislação não exige que essas declarações sejam divulgadas publicamente, o que levanta questões sobre a verdadeira transparência e o compromisso com a boa governança no país.
Embora a lei determine a entrega das declarações de bens à PGR, ela não especifica que essas informações devem ser acessíveis ao público, o que, para muitos observadores, é visto como um obstáculo à transparência. A PGR, responsável por armazenar essas declarações, não as torna públicas, o que leva a críticas de que o processo não permite que os cidadãos verifiquem a evolução patrimonial dos seus governantes e servidores públicos ao longo do tempo.
O recém-empossado governador de Benguela, Manuel Nunes Júnior, abordou o tema, reafirmando que cumpre a norma estabelecida, entregando suas declarações à PGR, como qualquer outro servidor público. Para o governador, a prática de entregar os bens à PGR é uma diretriz geral que todos os servidores devem seguir. “A regra é geral, cumprimos o que está estabelecido para todos”, afirmou, reconhecendo, porém, que a norma vigente impede a divulgação pública dessas declarações.
Essa abordagem, no entanto, gerou críticas, particularmente do advogado Chipilica Eduardo, que questiona a eficácia e a transparência do processo. “Os envelopes fechados e lacrados são um insulto à transparência”, disse Eduardo, destacando que as declarações só podem ser abertas em caso de indícios judiciais. Isso, segundo ele, viola princípios fundamentais da boa governança, já que a sociedade não tem acesso a essas informações para fazer comparações e garantir que os servidores públicos não enriquecem de forma ilícita durante o exercício dos seus cargos.
Severino Carlos, jornalista e ex-editor-chefe do extinto jornal Angolense, também comentou o tema, apontando que a Lei da Probidade foi estruturada de forma a evitar que as declarações de bens se tornassem públicas. Para Carlos, a sociedade angolana tem uma relação ambígua com a riqueza, especialmente no que diz respeito a como ela é adquirida, o que pode ter influenciado a decisão de manter as declarações de bens em sigilo. “Eles entenderam que, abrindo a legislação, faria com que eventualmente os governantes entregassem a cabeça”, comentou Carlos, sugerindo que a classe política não tem interesse em adotar uma cultura de abertura sobre os seus bens.
Além disso, Carlos questiona a falta de resultados tangíveis no processo de recuperação de ativos. “Nunca vimos ninguém dizer que recuperamos o património ou os milhões pertencentes ao fulano ou ao beltrano”, afirmou, indicando uma falta de transparência também na execução de políticas para combater a corrupção e a apropriação indevida de bens públicos.
O artigo 27º da Lei da Probidade Pública, ao exigir a entrega das declarações de bens, visa combater a promiscuidade entre o Estado e os interesses privados, conforme preconizado pelo ex-presidente José Eduardo dos Santos, que, antes da aprovação da lei, já havia aconselhado os governantes a abandonarem atividades empresariais. Contudo, a falta de divulgação pública dessas informações continua a ser um ponto controverso, levantando questões sobre o compromisso do governo angolano com a transparência e a boa governação.